domingo, 7 de fevereiro de 2010

Mutirão encerra marcado pela interculturalidade de diferentes etnias

Fonte: Rádio São Francisco (Jornalismo)


Momentos de reflexão e discussão em torno de uma cultura solidária e da paz. Com este objetivo, foi encerrado no final da tarde do domingo (07), com uma celebração eucarística e a leitura da Carta de Porto Alegre, o Mutirão de Comunicação América Latina e Caribe. Durante cinco dias, cerca de quinze mil pessoas, de dezoito países e diferentes conferencistas oriundos das Américas e também de países da Europa, Ásia e África, dividiram-se entre os inúmeros pontos distribuídos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, para abordar temas relacionados ao diálogo no processo de comunicação.

Na manhã do último dia do evento, o comitê acadêmico do encontrou abriu a jornada com uma síntese dos trabalhos e da proposta da
Carta de Porto Alegre, documento que será uma referência para orientar a elaboração de políticas e propostas de ação comunicativa. No período da tarde, o destaque ficou por conta da marcha juvenil pela solidariedade e contra o extermínio de jovens nas Américas. Por fim, a apresentação do próximo Mutirão, na PUC do Rio de Janeiro, que seriará o evento, de 17 a 22 de julho de 2011. O 7° Mutirão Brasileiro terá como tema “Comunicação e vida: diversidade e mobilidades”.

De acordo com a Comissão Organizadora do Mutirão de Comunicação – América Latina e Caribe, o evento encerra e seus debates ficam marcados pela interculturalidade, pela participação não somente latino-americana, mas de outros países do globo. As palavras partem do Coordenador Geral do Mutirão, Pe. Marcelino Sivinski (acompanhe em áudio). Segundo ele, mais de mil comunicadores participantes, deixam a capital gaúcha com diversos propósitos e uma certeza: a Igreja brasileira, a Igreja latino-americada, as instituições e especialmente as redes católicas, precisam se unir para marcar uma presença incisiva na sociedade, enfrentando os desafios que o aparecimento de novas mídias representa.



Rio se prepara para o próximo Muticom

Fonte: Zulmar Faustino – Florianópolis (SC)

A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro será a sede do próximo Mutirão Brasileiro de Comunicação. A equipe que organizará o evento esteve reunida na tarde de ontem em um dos ambientes da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS, em Porto Alegre.

Na tarde de hoje, domingo (dia 07/02), último dia do Muticom, eles receberão o símbolo destinado aqueles que sediam a edição seguinte. A solenidade será realizada após a leitura da Carta de Porto Alegre, documento conclusivo do Muticom, que sucede a Celebração Eucarística de encerramento.

Apesar de apenas hoje o Rio de Janeiro receber oficialmente a tarefa de sediar a 7ª edição do Mutirão Brasileiro de Comunicação, a equipe já está trabalhando no evento. Tanto que durante o Muticom, em Porto Alegre, os participantes já receberam um caderno especial do jornal “O Testemunho de Fe”, informativo da diocese, que traz várias informações da preparação para o próximo Mutirão.

Se levarmos em conta que o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, é o bispo referencial das comunicações no Brasil, e pela preparação que já esta sendo feita, tem tudo para que seja um evento memorável.

Desde já, a equipe “floripanomuticom” já confirma a sua participação e se coloca a disposição dos organizadores para auxiliar na divulgação e transmissão do evento. Se Deus quiser estaremos lá e traremos ainda mais novidades tecnológicas nos meios de comunicação.


Carta de Porto Alegre

Fonte: Assessoria Imprensa Muticom

Somos comunicadores e comunicadoras solidários com nossos povos e integrados plenamente no seu caminhar. Partilhamos os sofrimentos, as crises, as alegrias e as esperanças de nossas irmãs e irmãos. Por esse motivo, e ainda em meio à atual crise civilizatória, que se expressa, entre outros fatores, na mundialização das economias e na livre circulação de mercadorias e capitais especulativos, nos atrevemos a refletir e sonhar, alimentando a utopia e a esperança.

Somos comunicadores e comunicadoras, pesquisadores, professores, jornalistas e estudantes da América Latina e do Caribe, reunidos em Porto Alegre (Brasil) de 3 a 7 de fevereiro de 2010, no Mutirão de Comunicação, no qual fomos convidados para analisar os “Processos de comunicação e cultura solidária”.

O Mutirão propiciou o intercâmbio de experiências, de saberes e de comunhão em Jesus Cristo entre comunicadores e comunicadoras com diferentes trajetórias pessoais, profissionais, políticas, religiosas, culturais, unidos no compromisso e na responsabilidade comum com os povos da região que lutam pela dignidade, pela justiça e na defesa de uma democracia que seja capaz de garantir a vigência de seus direitos econômicos, políticos, sociais e culturais.

Esta carta traduz nossos sonhos de futuro apoiados no compromisso político de concretizar uma utopia construída sobre a rica bagagem cultural e religiosa acumulada ao longo dos anos, que representa uma enorme riqueza de nossos povos e nossas culturas, especialmente indígenas, negros e migrantes, constituindo uma herança tantas vezes desprezada. Este rico legado, somado à vitalidade dos movimentos sociais, habilita o surgimento de atores que têm “direito a ter direito” e são os forjadores de nossa diversidade cultural.

Com Dom Helder Câmara dizemos que “quando sonhamos sozinhos , é apenas um sonho; quando sonhamos juntos é o começo de uma nova realidade” (Mensagem de Natal, 1992).

Por isso fazemos essa convocação para a ação que, sem abandonar um olhar analítico e crítico sobre a realidade política, social, cultural, religiosa e comunicacional, busca a construção de uma nova cidadania comunicativa que contribua à plena vigência dos direitos humanos e das condições de uma vida digna.

Partilhando as incertezas naturais de quem está envolvido no processo histórico e social e sem pretender esgotar as propostas, mas com a firmeza de nossas convicções, saberes, experiências, sensibilidade e paixão, e inspirados e inspiradas pelo Evangelho de Jesus, sonhamos com:

  1. Uma cidadania comunicacional que, no marco dos processos políticos e culturais, permita a participação criativa e protagônica das pessoas como forma de eliminar a concentração de poder de qualquer tipo para, assim, construir e consolidar novas democracias. Cidadania que não se pode pensar somente em termos jurídicos, mas também como uma atitude e uma condição associadas à reivindicação de ser reconhecido, de ter arte e parte nas decisões que afetam a vida em suas múltiplas dimensões, porque não há democracia política sem democracia comunicacional.
  2. Uma palavra liberada de todo tipo de opressão e discriminação, para que se apropriem dela também os jovens e as jovens, os mais pobres e pequenos, como germe de uma cultura solidária.
  3. Políticas públicas de comunicação elaboradas a partir da ideia de que a comunicação é um direito humano e um serviço público e nas quais haja espaço tanto para a iniciativa privada comercial, como para os meios estatais, os meios públicos não-governamentais e os comunitários.
  4. Uma sociedade civil mobilizada para incidir politicamente na busca de uma comunicação livre, socialmente responsável, justa e participativa.
  5. Cidadãos, comunicadores e atores sociais preparados para manter e vigiar práticas comunicativas democráticas, participativas, inclusivas e apoiadas em uma nova perspectiva integral de direito à comunicação.
  6. Movimentos sociais, organizações populares, igrejas e instituições que se apropriem e incorporem, nas suas práticas comunicativas, os cenários e os processos das tecnologias da informação e as novas linguagens a fim de ampliar seu horizonte comunicacional e contribuir para a eliminação da brecha informativa e digital.
  7. Responsáveis da gestão do Estado capazes de levar adiante políticas públicas e estratégias de comunicação destinadas a assegurar o direito à comunicação, através de ações pertinentes e efetivas, que eliminem as diferenças e as desigualdades que hoje existem em matéria de produção, acesso e circulação de todo tipo de bens culturais.
  8. Cristãos comprometidos e organizados que, a partir da sua fé, tenham uma presença ativa e transformadora no campo da comunicação, incorporando as novas tecnologias no espírito e nas linhas de ação dessa carta.

Sonhamos, enfim, com comunicadores e comunicadoras:

· cuja prática profissional seja marcada pela vivência de uma cultura solidária, por critérios éticos e por uma vida coerente com esses princípios;

· que se reconheçam, acima de tudo, servidores do direito dos cidadãos a receber e emitir informação e opinião; que não se subordinem aos interesses e às pressões do poder político ou econômico porque estão comprometidos com a cidadania comunicacional;

· que estejam junto aos empobrecidos e incorporem seu olhar;

· que impulsionem o diálogo para enfrentar as contradições, inevitáveis em qualquer sociedade, com o objetivo de alcançar a paz e a justiça;

· que não se preocupem somente em ser plurais, mas igualmente em valorizar as diferenças surgidas no caminho da busca da verdade;

· que suscitem solidariedade a partir dos processos de comunicação;

· que saibam escutar e estar atentos especialmente ao clamor que emerge do murmúrio dos silenciados e, assim, contribuir para a visibilidade dos invisíveis de hoje.

Partilha de práticas comunitárias foram à proposta das oficinas do Mutirão

Fonte: Melissa Maciel, da redação do Muticom.org

O Mutirão oportunizou a partilha de experiências entre os participantes dos mais diversos países da América Latina e Caribe nas oficinas, onde o sentido do evento de “construir juntos” se concretizou.

Dentre as 51 oficinas oferecidas no evento, destacaram-se pela enorme participação do público as seguintes:

Pastoral da Comunicação. O que é e como se faz

Buscou a realização do exercício da cidadania como comprometimento da comunidade e de seus membros através de uma pastoral comunicativa, aberta à participação de todos na construção do Reino. A coordenadora da atividade, Irmã Élide Fogolari, afirmou que devemos todos descobrir o comunicador que existe em cada um, para assim explorar as várias faces da comunicação a serviço do projeto de evangelização.

Novas linguagens nos areópagos modernos

A proposta da coordenadora Maria Eugenia Aguado foi de promover um espaço de trabalho para junto aos participantes, iluminar a proposta da pastoral universitária a nível nacional. Existem muitas perguntas sobre como ocupar o espaço universitário com uma comunicação evangelizadora. É desafiante a partilha de propostas, mas é cada vez mais necessário conhecer iniciativas e discutir alternativas no encontro de uma nova linguagem, uma nova cultura mais participativa, interativa e humanista.

Bíblia e Ecologia – Por uma espiritualidade Cristã Ecológica

O cheiro de ecologia através de ervas e sementes fez parte do ambiente onde a oficina se realizou. Utilizando o método VER, JULGAR e AGIR a atividade propôs o enfrentamento dos desafios socioambientais à luz de uma contribuição da fé cristã. “A ação em defesa da vida não pode ser movida pelo medo das catástrofes, mas pelo amor aos pobres, à natureza e à criação”, falou Natália Soares, coordenadora da oficina.

Comunicação no diálogo entre culturas: mídias e cidadania das migrações transnacionais

A oficina focou a apresentação e debate de dados e pesquisas sobre mídias, cidadania e migrações. Teve como objetivo reforçar a visibilidade e intercâmbio do conhecimento acadêmico, e não acadêmico, produzidos sobre as migrações, visando a organização de políticas de comunicação e de cidadania das migrações contemporâneas.

Este importante espaço do Mutirão ocorreu nos dias 4, 5 e 6, durante o Mutirão de Comunicação América Latina e Caribe, com enorme participação. O aprendizado, a partilha e a confraternização, marcaram as oficinas do Muticom.

Mistura de sons e ritmos em noite de cultura latino-americana

Fonte: www.muticom.org - Assessoria de Comunicação - Jornalista Nara Roxo


Um solo de gaita, apresentado por Luiz Carlos Borges, iniciou a noite cultural do Mutirão de Comunicação no dia 6 de fevereiro. Brincando com os teclados, o compositor brasileiro encantou a platéia que em pouco tempo se rendeu ao humor e ao balanço de uma mistura de estilos propostas pelo artista, que apresentou chamame, baião e vanerão.

O segundo a se apresentar, Dante Ramon Ledesma, argentino radicado no Brasil, mostrou, que pela música também se faz se constróis a luta e a solidariedade. Interpretando “El Condor Pasa”, uma espécie de hino à liberdade conhecida em todo o continente, chamou a platéia a refletir sobre as lutas que ainda precisam ser feitas para que a liberdade seja uma realidade completa para todos os povos da América Latina. “Um dia seremos todos livres como o Condor nos Andes. Podemos, numa oração, fraternizar os propósitos e a intenção de um dia viver em paz, não apenas a paz que se escreve nos muros, mas a paz interna que sonhamos”, acrescentou repetindo o refrão de outra música, cuja letra ensinava que “enquanto a fome faz guerra, a paz espera no chão”.

Raulito Barbosa chegou ao palco mostrando para a platéia o que se pode fazer com uma gaita. Num ritmo que lembrava o tango, apresentou o talento da cultura e da música argentina.

Último a se apresentar, Pedro Orçata, genuíno representante da música nativista do Rio Grande do Sul, mostrou bom humor nas letras e na fala. “Me chamo Pedro Ortaça, nascido lá nas Missões, sempre cantei minha terra com raça, fibra e garrão, queira Deus que eu cruze o mundo sem nunca negar meu chão”, disse anunciando as músicas que mostraram o canto das raízes e a cultura do estado do sul do Brasil.

No final, os participantes foram brindados com uma apresentação conjunta de todos os músicos da noite. A platéia levantou para cantar junto, em coro, mostrando a integração de todos os países presentes ao Mutirão.

As apresentações, gratuitas, foram parte integrante da programação cultural do evento. Mas a organização estava pedindo a contribuição simbólica para ingresso, cuja arrecadação será revertida para ajuda humanitária ao povo do Haiti.


Texto Base Seminário “Nova realidade econômica latino-americana e suas consequências na comunicação”

Fonte: www.muticom.org

Painelista: Pedrinho Guareschi

Coordenador: Oscar Fajardo (Peru)

Local: Prédio 15 – Auditório

Introdução

Estariam soprando novos ventos na nossa querida Pátria Grande? E será que el condor pasa anunciando novas melodias e novas surpresas? Estariam surgindo novos agentes, novos movimentos sociais, silenciados a séculos, mas que querem agora fazer ouvir sua voz e materializar suas novas propostas?

É nosso intuito, nesse seminário, como bem diz seu título, investigar se existe uma nova realidade latino-americana e quais as suas relações com os processos de comunicação. Como todo seminário, procuramos estabelecer um debate com todos os participantes. Mais que passar conclusões, pretenderia oferecer algumas informações para o estabelecimento desse debate, contando com a colaboração de todos. Estaremos sempre atentos à seguinte questão: há uma relação entre o econômico e o comunicacional, e até que ponto um influencia sobre o outro?

Pretendo caminhar dando os seguintes passos:

  1. Vou dedicar um pouco de tempo para uma “sensibilização” sobre a realidade da comunicação no mundo de hoje. Gostaria de mostrar que vivemos, para além da retórica, uma nova realidade. Passamos não apenas por uma era de mudanças, mas certamente por uma mudança de era.
  2. Num segundo passo, vou tentar teorizar sobre a relação entre o econômico e o comunicacional: como se mostra essa relação? Quem influencia quem, e como?
  3. Num terceiro ponto, vou discutir alguns fatos que poderão servir de subsídio para entender como se apresenta a realidade econômica latino-americana hoje.
  4. Finalmente, num quarto passo, tentarei relacionar essa realidade econômica às questões ligadas à comunicação.

Ficaria feliz se pudesse, com isso, provocar os amigos e amigas para um debate posterior, onde procuraríamos avançar nessa problemática.

  1. Para uma “sensibilização” da problemática da comunicação

Partindo de uma perspectiva psicossocial, vou iniciar refletindo sobre quatro proposições, referentes à comunicação, que poderão nos ajudar a aprofundar essa problemática. Deixamos claro que não é possível discutir tudo sobre comunicação. Privilegiamos alguns pontos, dentro desse imenso universo que perpassa todas as esferas humanas, questões que foram trazidas às sociedades modernas pelo enorme e profundo desenvolvimento dos meios de comunicação, propiciados pelo desenvolvimento crescente das novas tecnologias. É quase uma transmutação, pois envolve não apenas a máquina, mas o ser humano como um ser em desenvolvimento.

As sociedades modernas são marcadas por uma característica nova, que marca e penetra todas as esferas dessas sociedades: é a presença, ou a onipresença, do que se costuma chamar de mídia. Vivemos hoje, na expressão de J.Thompson (2005) uma sociedade midiada e uma cultura midiada: não há instância de nossa sociedade que não tenha uma relação profunda com a mídia e que não esteja intrinsecamente contaminada por ela, desde a economia, passando pela educação, religião, etc e chegando, de maneira mais radical, à própria política (Thompson, 2002).

Nessa realidade permeada de sinais, vemos, como diz Moscovici (2002, p.205) “as representações sociais se construindo, por assim dizer, diante de nossos olhos, na mídia, nos lugares públicos, através desse processo de comunicação que nunca acontece, contudo, sem alguma transformação” e contradição. O zeitgeist, hoje, é a comunicação. Depois da II Grande Guerra, não foi mais possível, como fora antes, fundamentar a sociedade ou em crenças ou nas relações trabalho: ela se fundamenta agora na comunicação e na produção de conhecimento através da informação. “É isso que escapa aos psicólogos sociais, que ficam apenas nas relações interpessoais” (Moscovici, 2002,pg. 206). A comunicação constrói, hoje, o novo ambiente social.

À medida que a comunicação se acelera em nossa sociedade, a extensão da mídia – visual, escrita e áudio – no espaço social vai crescendo sem interrupção.

Tal fato traz conseqüências no que se refere à formação da opinião pública. A realidade se torna simbólica. A questão de ligar representações a realidades não é mais uma questão filosófica, mas psicológica. Está aí o exemplo das pesquisas eleitorais, ou eleitoreiras (Guareschi, 2002).

No intuito de aprofundar um pouco mais essa “novo ambiente social e cultural”, comento quatro afirmações que podem ajudar a compreender a importância do fenômeno dos meios de comunicação hoje.

A primeira afirmativa é: a comunicação, hoje, constrói a realidade. É difícil definir o que seja realidade. Entendemos por realidade, aqui, o que existe, o que tem valor, o que traz as respostas, o que legitima e dá densidade significativa a nosso cotidiano. Desse modo, algo passa a existir, hoje, ou deixa de existir, sociologicamente falando, se é, ou não, midiado. É o que s deduz, por exemplo, de diálogos cotidianos e rotineiros, ouvidos com muita freqüência, como quando alguém diz: “Interessante, acabou a greve!” E se o interlocutor pergunta por que, a resposta é rápida e convincente: “Não se vê mais nada na TV! Não há mais nada nos jornais!” Pois é a isso que me refiro: alguma realidade, algum fato, nos dias de hoje, existe, ou deixa de existir, se é, ou não, veiculado pelos meios de comunicação. A mídia tem, na contemporaneidade, o poder de instituir o que é, ou não, real, existente.

A segunda afirmativa é um complemento da primeira e muito importante quando se discutem as RS: a mídia não só diz o que existe e, conseqüentemente, o que não existe, por não ser veiculado, mas dá uma conotação valorativa à realidade existente. Ao dizer que algo existe, digo igualmente se aquilo é bom ou ruim. Em princípio, as realidades veiculadas pela mídia são boas e verdadeiras, a não ser que seja dito expressamente o contrário. O que está na mídia não é só, então, o existente, mas contém, igualmente, algo de positivo. Isso é transmitido aos ouvintes ou telespectadores, isto é, as pessoas que “aparecem” na mídia são as que “existem” e são “importantes, dignas de respeito”.

A terceira afirmativa aprofunda a compreensão da primeira: a mídia, hoje, coloca a agenda de discussão. Isto é, ao redor de 80% dos temas e assuntos que são falados no trânsito, no trabalho, em casa, nos encontros sociais etc, são colocados à discussão pela mídia; ela determina, até certo ponto, o que deve ser falado e discutido. Alguém, ao ler essa afirmativa, pode retrucar: “tudo bem, até pode ser verdade que a mídia coloca os assuntos em pauta, mas nós podemos discordar deles, criticá-los, não aceitá-los”. Que bom se assim fosse! Há algo, contudo, que nós não podemos fazer – e aqui está a conseqüência mais séria dessa questão: se a mídia decidir que algum assunto, ou algum tema, não deva ser discutido pela população de determinada sociedade, ela tem o poder de excluí-lo da pauta! Uma população inteira fica impossibilitada de saber e conhecer que tal problema existe numa sociedade, ou que tal fato sucedeu nesse local. Essa a força de quem detém o poder de decidir sobre o conteúdo da pauta. Na grande discussão nacional que a mídia tem como tarefa fundamental instituir, ela tem o poder de selecionar e criar a pauta, podendo incluir apenas temas que lhe interessam e excluir os que podem vir a contestá-la. Uma das informações mais importantes, por exemplo, que é negada aos ouvintes e telespectadores é a informação sobre a própria mídia e sobre os direitos que as pessoas têm com respeito à informação e à comunicação.

Finalmente a quarta afirmativa extremamente central ao que se pretende discutir. Sabemos que o ser humano se constrói a partir das relações que ele vai estabelecendo no espaço de sua existência. Nos dias de hoje, contudo, principalmente a partir dos últimos 30 anos, pode-se dizer que existe um novo personagem dentro de casa, que está presente em nossas vidas e com quem nós mais estamos em contato. A média de horas diárias que o brasileiro fica diante da TV, por exemplo, é de 4. Em algumas vilas periféricas de cidades brasileiras que pesquisamos, a média chega a 6 horas e para as crianças, que os pais têm medo de deixar na rua, chega a 9 horas diárias. Pois é com esse novo personagem que nós passamos, hoje, a nos relacionar, numa relação que Thompson (1998) chamou de “quase interação midiada”. Queiramos ou não, tal fato tem a ver com a constituição e construção de nossa subjetividade. Se examinarmos as características de tal personagem, constatamos que ele é praticamente o único que fala; estabelece com os interlocutores uma comunicação vertical, de cima para baixo; não faz perguntas, apenas dá respostas etc. Já imaginaram o poder de tal personagem? Deve-se ver a comunicação, como diz Moscovici (2002, p.105) “do ponto de vista da gênese das relações sociais e dos produtos sociais e também sermos capazes de considerar o ser humano como um produto de sua própria atividade como, por exemplo, na educação e na socialização”. Se prescindirmos de uma dimensão dialética e crítica na compreensão do ser humano, e se os próprios seres humanos não assumirem essa dimensão crítica, eles correrão o risco de se transformarem em mais um produto dentro do quadro de consumo, ou seja, seres descartáveis, desfrutáveis, alugáveis, meros investimentos da sociedade consumista.

Há ainda maravilhas acontecendo sob nossos olhos, como a unificação das linguagens (textos, imagens e sons) numa única linguagem, a linguagem digital. E outras que nos pegam de surpresa e nos causam mudanças profundas no nosso próprio ser, como os novos sentidos da distância, do espaço e do tempo. A distância encurtou: tomamos café num continente, almoçamos em outro e jantamos num terceiro. O espaço foi re-inventado com o “espaço virtual”, o ciberespaço, onde cabe praticamente tudo, sem praticamente ocupar espaço físico significativo. Mas as grandes mudanças está se dando na percepção do tempo. O tempo que “vale” hoje, é o “agora”. É a presentificação do tempo. A realidade, e a verdade, nos dias de hoje, para muitos de nós, é o que sucede agora. Além de questões éticas, essa realidade nos traz problemas psicológicos, como o que alguns autores chamam de “dataholics”, ou “cronofagia” (Guareschi, 2004).

  1. Teorizando sobre a relação entre o econômico e o comunicacional

Vamos nos ater a alguns pontos centrais apenas, que possam nos ajudar a refletir sobre a nossa realidade.

A percepção generalizada, mesmo entre os estudiosos da sociedade, é de que os meios de comunicação “pertencem” a uma dimensão super-estrutural da sociedade, responsável pela sua reprodução social e ideológica, sem ter ligação alguma à sua infra-estrutura, essa sim, responsável pela sua reprodução material, como mostra o quadro abaixo.

Quadro 1: Relação entre infra e super-estrutura

Se isso terá sido assim, podemos até conceder, em determinado momento da formação das sociedades, certamente não o é mais. Os meios de comunicação são, hoje, grandes conglomerados que incluem o político e o ideológico, sim, mas também, e em grande parte, o econômico. Poderíamos até afirmar, sem correr o risco de nos distanciarmos muito da realidade, que seu interesse fundamental, em última instância, é o lucro econômico, e que tudo o mais concorre para esse objetivo. Como diz muito bem Vicent, (2007,p.96):

“La única ideología de los medios de comunicación es los negocios. La revolución neoliberal consiste en aplicar la teoría de la selección natural a la sociedad. El que no pueda seguir, que se quede; el que no sea capaz de competir, que se entregue; el que tenga miedo, que huya. No pasa nada. El mercado acabará recomponiendo el equilibrio de las especies. Así sucede en la selva. Los animales viejos, débiles o enfermos son sacrificados a la ley del más fuerte. Los neoconservadores aplican este principio a la economía y a la moral”.

Para se compreender melhor essa questão, precisamos relembrar um pouco a história da comunicação, principalmente dos meios de comunicação. Todos sabemos que a comunicação, como relação humana, sempre existiu, desde que o ser humano se tornou presente na história, passando certamente por diferentes mudanças, desde os grunhidos, até os gestos e a construção da linguagem ideográfica e simbólica. Mas ao lado disso temos a ‘materialização’ dessa linguagem, em pedras, papiros, papel e, ultimamente, no eletrônico, no mundo da linguagem digital. É aqui que entram, fortemente, os assim chamados “meios de comunicação”, ou os mídia, como designaremos daqui em diante.

Através da história a mídia, e sua relação com o social, teve, certamente, enorme influência (e ainda a têm) sobre o político, causando profundos e incontáveis dissabores aos assim chamados ‘detentores’ do poder, principalmente quando esse poder se apresentava como um poder autoritário. Evidentemente, isso repercutia também no econômico.

Tendo como pressuposto a força que a mídia exerce na criação de representações sociais que, como vimos na primeira parte, constroem o real, gostaria de trazer aqui um estudo apresentado na Universidade La Sapienza, de Roma, sobre a representação social da mídia, criada por ela mesma (Guareschi, 2007) . Quem é a mídia para a mídia?

A síntese dessa representação pode ser vista no quadro abaixo.

Quadro 2:

Representação Social da Mídia feita por ela mesma

Dentre as inúmeras dimensões que a investigação encontrou, gostaria de deter-me numa delas que, parece-me, é muito relevante para a compreensão do tema que pretendemos discutir e aprofundar: a mídia como defensora da liberdade de imprensa e contra a censura.

Na análise de como a mídia constrói uma RS de si mesma, deparamo-nos, e de maneira mais específica dentro da realidade latino-americana, com um fenômeno curioso, que poderíamos chamar de roubo, ou apropriação, de uma representação social altamente legítima e louvável, que é ancorada a uma prática completamente oposta à preconizada: referimo-nos à questão da liberdade de imprensa e da censura.

Na imaginação popular, nada mais nobre e saudável do que a liberdade de imprensa; e nada mais deplorável e injusto do que a censura. Os meios de comunicação, principalmente a imprensa, durante vários séculos, exerceram um papel importante na denúncia dos abusos do poder, dos atropelos e discriminações de muitos governos e sociedades autoritários. A história da imprensa foi, até certo ponto, marcada por essas lutas em prol da democracia e da liberdade de expressão de todos os cidadãos.

Foi a partir dessas práticas que a o conceito, ou a RS da “liberdade de imprensa”, por um lado, e o exercício da censura, por outro, foram assumindo conotações valorativas. Por agir como crítica aos poderes constituídos, como um contra-poder, a imprensa passou a ser chamada de “quarto poder” e a liberdade de imprensa como algo importante e imprescindível para a garantia da democracia numa sociedade.

Acontece, contudo, que nas últimas décadas, à medida que se acelerou a globalização liberal, este “quarto poder” foi perdendo sua função de contra-poder. Surgiu um capitalismo de novo estilo, que não é mais meramente industrial, mas financeiro, de especulação e de escala planetária. Nessa fase em que, em definitivo, o debate principal se coloca no enfrentamento frontal entre o mercado e a sociedade, entre o privado e o público, entre o individual e o coletivo, entre o egoísmo e a solidariedade, observamos também um fato novo e crucial: os meios de informação deixaram de se constituir em um contra-poder, e passaram a se aliar a esses poderes. E esses conglomerados globais de comunicação têm, muitas vezes, um papel mais importante que muitos governos e Estados. Hoje, globalmente, os meios de comunicação (emissoras de rádio, imprensa escrita, canais de televisão, Internet) pertencem, cada vez mais, a grandes grupos que têm uma vocação global, como o grupo News Corp de Rubert Murdoch, a American Online, Viacom, Microsoft.

É fundamental, então, enfatizar essa mudança fundamental nas representações de censura e de liberdade de imprensa. Os atores da comunicação mudaram. Não são mais os pequenos grupos, ou pessoas particulares, que enfrentam os governos autoritários e ditatoriais. A situação, hoje, é totalmente diversa: os meios de comunicação se constituíram em grandes conglomerados, verdadeiros oligopólios, grandes grupos que exercem monopólios, com concentração das propriedades da mídia verticais, horizontais e cruzadas (Ramonet, 2006, pg. 26ss). No Brasil, nove famílias detêm 90% de todas as rádios e televisões e decidem, conseqüentemente, o que o brasileiro pode, ou não, ficar sabendo (FENAJ, 1992).

Como decorrência disso, a censura também mudou de local: não é mais a mídia que é censurada, mas é a maioria da população que não pode exercer seu direito de dizer a palavra, expressar sua opinião, comunicar seu pensamento. Os conglomerados econômicos utilizam sua dimensão midiática para “orientar” a sociedade, calando-a quando necessário e controlando-a diariamente, por meio da imposição de sua agenda, passando uma falsa idéia de liberdade de imprensa. Como afirma Thelma Mejía e outros (2007, p. 3), “os meios de comunicação perderam seu protagonismo ao tomarem partido pelas idéias da liberdade de mercado e converter-se em polêmicos atores políticos. Há testemunhos de jornalistas da Colômbia, Venezuela, Brasil, Equador e México que comprovam como os ‘donos’ de jornais orientavam como e o que cobrir nas campanhas eleitorais.”

Gostaria de acrescentar aqui uma informação caseira, proveniente de uma atividade da qual fui membro titular durante sete anos: Trata-se do movimento “Ética na TV”, ligado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em Brasília. Durante vários anos essa organização está patrocinando a campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”. Consiste, simplesmente, em avisar a população que todos os que estiverem descontentes, ou se sentirem atingidos em seus valores morais ou democráticos, mandem mensagens para a Campanha, através de emails, telefonemas, fax, cartas, etc. Essas reclamações são catalogadas e são passadas a um dos pareceristas da Campanha para que ele faça um estudo, que é discutido com os outros 16 membros do grupo. Esses pareceres são enviados, após séria discussão, para as emissoras, para os responsáveis pelos programas e, aqui a novidade, para os patrocinadores dos programas. Os resultados foram surpreendentes e superaram as expectativas: programas importantes de emissoras saíram do ar, outros foram condenados pelo Ministério Público a ressarcir os danos morais e a ceder espaço para esclarecimentos e respostas, outros ainda tiveram de trocar o horário de veiculação. Houve até casos em que grandes emissoras de TV (no caso, a Bandeirantes), processaram os responsáveis pela Campanha, pois importantes patrocinadores retiraram seus anúncios na emissora. Isso vem confirmar que, por mínima que seja uma atividade que venha interferir nos lucros financeiros da empresa, tal atividade mexe com os grandes grupos midiáticos. Para mais informações, ver Fantazini e Guareschi (2006).

Numa perspectiva mais ampla e geral, podemos identificar quatro grandes tendências da mídia em âmbito tanto nacional, como internacional:

- globalização: ela não é mais nacional, nem mesmo regional; é transnacional.

- concentração: um olhar, por mais rápido que seja, mostra como existem hoje, nos países e no mundo, cada vez menos “donos”, detentores de um número cada vez maior de meios de comunicação (Bagdikian,1992). Apesar de em alguns países as regulamentações proibirem a propriedade cruzada dos meios, em outros, como na maioria dos países da América Latina e Caribe, os detentores dos meios concentram as atividades de rádio, TV, imprensa e meios ligados à Internet.

- diversificação: os conglomerados não se restringem hoje apenas a áreas ligadas à comunicação, mas estão estruturados e articulados a setores como o financeiro e ao produtivo.

- desregulamentação: esta talvez seja a tendência mais forte da mídia hoje. Cada vez mais ela pleiteia, dentro do melhor ideário liberal-capitalista, plena liberdade de atuar competitivamente, na busca do maior lucro possível.

  1. Como se mostra a realidade econômica latino-americana hoje

Evidentemente, não podemos passar aqui país por país, mostrando a situação e a evolução econômica de nosso continente latino americano e caribenho. Somos forçados a analisar algumas características mais gerais, sabendo que nunca podem ser aplicadas em sua integralidade. Além de tudo, as mudanças são contínuas e, ao menos ao que se refere ao político, estão numa mudança contínua.

Tem havido mudanças, no mundo econômico, nesses países? Creio que é possível afirmar que, de maneira geral, essas mudanças estão em processo e, em determinados países, podem até mesmo ser visualizadas.

Os analistas, não todos, mas os mais argutos dentre eles, ao discutir essa relativa mudança, discutem uma característica que passa despercebida aos que se detêm nas estatísticas oficiais, principalmente estatísticas que provêm de organismos que, tradicionalmente, estavam acostumados a oferecer tais informações, como os organismos da ONU, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, etc. Qual a característica?

Tendo ainda como pano de fundo a teoria da dependência, esses estudiosos mostram que o que está mudando, hoje, na AL e Caribe, não é tanto o crescimento econômico, mas as condições para um verdadeiro crescimento econômico autônomo, durável, independente. É ainda uma luta difícil, pois estão sendo quebrados os laços que mantiveram esses países dependentes dos países centrais. Devemos, contudo, ser realistas e mostrar que nem todos esses países estão caminhando numa direção de autonomia e verdadeira independência. Existe ainda grande influência, até mesmo ideológica, dos países assim ditos “desenvolvidos”, que passam a idéia de que o que existe lá é melhor, e que desenvolvimento é viver do modo como eles vivem. Alguns de nossos países, paradoxalmente, estão ainda formando novas alianças, principalmente com os Estados Unidos.

É importante ressaltar que essa nova tendência para uma autonomia política e econômica está sendo construída e materializada através de alianças que os países “pobres”, ou “do Sul” estão estabelecendo entre eles, sofrendo restrições sérias, muitas vezes, dos antigos aliados dominantes. Realisticamente, eles sentiram que sós nunca poderiam dar conta de criar e fundamentar condições de crescimento econômico independente e autônomo. Apesar de essas alianças serem ainda iniciais e sofrerem restrições por parte de alguns dos próprios países dos blocos, essa parece ser, contudo, uma luz no fim do túnel.

Podemos visualizar, sem ainda termos os contornos bem definidos, uma nova paisagem político-econômica que vai se delineando. Alguns até falam num novo continente “que foi tomado por uma onda rosada, ou que caminha para uma tendência de esquerda, entre novembro de 2005 e final de 2006” ( Mejía 2007, p.9): Martín Torrijos no Panamá, Tabaré Vasquez (e agora Mujica) no Uruguay, Cristina Kirchner na Argentina, Luis Inácio Lula da Silva no Brasil, Michelle Bachelet no Chile (uma pequena surpresa agora com Piñera), Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Hugo Chávez na Venezuela, Daniel Ortega na Nicarágua. Mas está ainda se mantendo uma tendência de direita, como Alan Garcia no Peru, Álvaro Uribe na Colômbia, Oscar Arias na Costa Rica, José Manuel Zelaya em Honduras, Oscar Berger na Guatemala, Saca em El Salvador e Felipe Calderón no México.

  1. Os meios de comunicação na AL

Num esforço de síntese para se tentar definir o status dos meios de comunicação na AL e Caribe, poderíamos dizer, a grosso modo, que eles se comportam, na realidade, como empresas que não se distanciam, nem se diferenciam essencialmente, de outras empresas econômicas, tudo dentro do melhor figurino do modelo liberal. Mas, consequentemente, do mesmo modo como a economia está se desvencilhando dos países centrais, assim também a comunicação está tentando dar os primeiros passos num sentido de autonomia e independência.

As limitações, contradições e precariedades de nossa comunicação mostram-se, contudo, ainda extremamente sérias. A partir do caso brasileiro, que não se diferencia muito dos outros países da AL e Caribe, poderíamos levantar algumas questões preocupantes:

a) A questão dos monopólios e oligopólios

O problema que subjaz a essa questão pode ser expresso na seguinte pergunta: numa sociedade que se orienta pelas leis capitalistas de busca do maior lucro através da concorrência, será possível o estabelecimento de uma comunicação democrática? Na maioria de nossos países, e na maioria das grandes cidades de nossos países, há uma propriedade cruzada de meios, onde os mesmos grupos são donos dos principais órgãos da mídia impressa e possuem concessões de rádio e televisão, além de controlarem diferentes organizações de mídia alternativa, como as teles, servidores de Internet e outros meios novos. Creio que é necessário nos debruçarmos sobre essa questão, pois dela vai depender, em grande parte, se não em sua totalidade, a questão da democracia e da cidadania em nossa sociedade latino-americana e caribenha. Em alguns países, como no caso do Brasil, a proibição dos monopólios e oligopólios está claramente proibida na própria Constituição (art.220, par.5º) A questão que permanece é sempre a sua regulamentação, impedida ou retardada, como sempre, pela própria grande mídia.

b) A recusa, clara e explícita, de querer discutir questões referentes à democratização da mídia: o “círculo de ferro”. Estabelece-se, desse modo, uma espécie de círculo de ferro, quase intransponível: no momento em que a mídia se recusa a colocar em pauta a discussão e análise dela mesma, submetendo-se a uma crítica por parte da sociedade, ela fecha todas as portas de uma possível melhoria. E isso é assim principalmente porque essa análise só é possível se a própria mídia a pautar. Se a mídia não discutir a própria mídia, tal discussão nunca chegará a ser feita. É a isso que chamamos de “círculo de ferro”.

Decorre daí a necessidade de organismos que “monitorem” a mídia por parte da sociedade civil. Como veremos a seguir, a lei da mídia da Argentina já trouxe a criação da Autoridade Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual. É também o que se tenta no Brasil, a partir da proposta da 1ª Conferência Nacional de Comunicação com a criação de Conselhos de Comunicação Social com poder deliberativo.

c)A necessidade de uma comunicação pública. Diante do predomínio dos postulados capitalistas que levam ao monopólio e oligopólio, de um lado, e diante da recusa em se abrirem a práticas participativas e democráticas, a saída que os analistas entrevêem é a necessidade imperiosa de trazer mais vozes à arena da comunicação. Entre elas, está a necessidade da criação de uma comunicação pública, a partir da sociedade civil, que poderá funcionar como uma alternativa e superação dos dois pontos discutidos acima. Isso já está na própria Constituição Brasileira e é um dos pontos trazidos pela Ley de Medios na Argentina: a complementaridade entre o público e o privado. Exemplo disso é a legislação britânica, com a BBC, onde a sociedade civil monitora a comunicação e onde a comunicação se guia por práticas educativas e participativas (noticias dadas em vários minutos, etc.)

Mas apesar de tudo, algumas luzes estão iluminando o panorama latino-americano e caribenho.

Um exemplo quase paradigmático é o caso da Argentina. Sei que há pessoas aqui melhor qualificadas para falar desse tema. Mas é interessante ver como o governo teve a coragem de enfrentar a questão da mídia e como conseguiu mudanças significativas. Para a grande imprensa a ação do governo argentino foi classificada de, no mínimo, altamente polêmica. No entender do jornalista Venício A. de Lima, do Instituto de Estudo , a lei é falsamente polêmica. “Ela foi amplamente debatida, passou pelo Congresso”, analisa. Após 200 alterações durante a tramitação, foi aprovada na Câmara dos Deputados daquele país com 146 votos a favor, 3 contra e 3 abstenções. No Senado, obteve 44 votos a favor e 24 contra.

O professor da Universidade Federal Fluminense Dênis de Moraes (2009), discute, em seu livro A Batalha da Mídia, as transformações políticas recentes na América Latina e analisa a comunicação como campo de lutas entre diferentes propostas hegemônicas. Para ele, as novas tendências que estão em gestação na Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Chile podem ser resumidas no empenho desses países na construção de uma comunicação fundamentada na diversidade e no pluralismo. No caso específico da Argentina, sua avaliação após a promulgação da “Lei da Mídia, é de que essa lei é uma das mais avançadas do mundo na regulação dos meios de comunicação.

Venício Lima (Jornal do Federal, 2009, p.16), mostra como a lei engloba um conjunto de medidas de profundo sentido antimonopólico e descentralizador dos setores de comunicação e informação. Tem o apoio público e enfático de segmentos importantes da sociedade civil argentina, como centrais sindicais, Igreja, movimentos dos direitos humanos, universidades, associações profissionais, federação de jornalistas, artistas e intelectuais, entidades estudantis etc.

Sua aprovação pelo Congresso argentino é uma vitória da consciência democrática latino-americana. A polêmica foi criada, deliberadamente, pela chamada grande mídia e pelas elites conservadoras, que repelem a democratização da comunicação e da vida social, pois isso implica perderem conveniências e privilégios históricos.

Não é difícil entender o que se oculta no discurso enganoso da mídia em favor da “liberdade de expressão”: as outorgas de rádio e televisão constituem as jóias da coroa, em termos de faturamento dos grupos empresariais. Daí a reação sistemática contra medidas legais que garantam equanimidade, lisura, transparência e fiscalização no regime de concessões de canais. Sob alegação de que exerce uma hipotética função social específica (informar a coletividade), a mídia não quer submeter-se a freios de contenção e se põe fora do alcance das leis e da regulação estatal, em favor de seus históricos privilégios.

Algumas especificidades da lei Argentina que, certamente, servirão de inspiração para os governos mais democratas (de esquerda) da América Latina e Caribe que ousarem trilhar esse caminho: ela proíbe, por exemplo, que licenças de rádio e TV sejam dadas a políticos e detentores de cargos públicos. Cada empresa só poderá dispor de, no máximo, dez concessões em televisão aberta ou a cabo (o limite era de 24 outorgas). O prazo das licenças será diminuído de 15 para 10 anos, com exigências mais rígidas para concessão e renovação de outorgas, sendo instituídas, obrigatoriamente, audiências públicas nos locais de prestação de serviço das emissoras para avaliar seus desempenhos.

A lei inova também ao definir, em condições equitativas, três tipos de prestadores de serviços de radiodifusão: a gestão estatal (meios públicos), a gestão privada com fins lucrativos e a gestão privada sem fins lucrativos (organizações não -governamentais, entidades sociais, universidades, sindicatos, fundações). Nesse ponto ela é um pouco diferente do que constava, já, na própria Constituição Brasileira de 1988, onde se falava Ada complementaridade entre três tipos de prestadores de serviços: a comunicação privada, a pública e a estatal. Na prática, a comunicação privada detém, no Brasil, mais de 90% do espaço. Uma das propostas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação insiste na implementação desse dispositivo constitucional com um terço de espaço para cada tipo de prestação de serviços.

Além disso, pela lei Argentina, para evitar a concentração dos meios locais, um mesmo concessionário não poderá operar mais de uma licença em frequência de rádio AM e mais de duas em FM. O excesso de conteúdos estrangeiros nos veículos será coibido: no rádio, 30% do que for veiculado deve ser de origem argentina. Quando as emissoras funcionarem em cidades com mais de 600 mil habitantes, a produção nacional deverá responder por 60% da programação. A lei impede a propriedade cruzada dos meios, como vigora inclusive nos Estados Unidos: empresas de radiodifusão não poderão operar distribuidoras de TV a cabo em uma mesma localidade e vice-versa. A fiscalização das medidas caberá a um novo órgão de regulação, a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, que terá poderes para aplicar sanções em caso de violação da lei, sob supervisão judicial. No Brasil, pela Constituição de 1988, deveria existir um Conselho de Comunicação Social, que só foi regulamentado em 1991 e implementado em 2002, fazendo já 3 anos que não se reúne. Essa questão retornou, como acenamos acima, na 1ª Conferência propõe a Criação de Conselhos de Comunicação, com poder deliberativo e não apenas consultivo, em nível federal, estadual e municipal.

A Associação Mundial de Rádios Comunitárias da América Latina e Caribe (AMARC ALC) festejou a aprovação da “Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual en Argentina” e destaca os dispositivos que garantem a diversidade e o pluralismo nos serviços de comunicação audiovisual. A nova lei deverá ser um exemplo para toda América Latina e Caribe.

O longo relatório “A Democracia na América Latina – Rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos”, preparado sob a coordenação do ex-chanceler argentino Dante Caputo para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e publicado no final de 2004 (ver Gobernabilidad Democratica, 2009), traz os resultados de uma preciosa pesquisa, realizada entre julho de 2002 e junho de 2003, com 231 líderes latino-americanos. Esse relatório não teve, pelo menos no Brasil, a divulgação que merecia.

Foram ouvidos “líderes políticos que detêm ou detiveram o poder em seu máximo nível institucional, em chefias partidárias, parlamentares, funcionários de alto escalão ou prefeitos; protagonistas sociais em um amplo espectro que inclui líderes sindicais, empresários, acadêmicos, jornalistas, religiosos e dirigentes de movimentos ou organizações sociais; e membros das Forças Armadas”, entre eles 41 presidentes e vice-presidentes, no exercício do cargo ou anteriores. Em outras palavras, foi ouvida a elite econômica, política e intelectual da região.

Entre os obstáculos à consolidação democrática existentes na América Latina, a pesquisa do PNUD revela uma tensão entre os poderes institucionais e os poderes de fato. Os líderes consultados apontam, então, três poderes de facto que representam os riscos principais à consolidação democrática na região:

a)Limitações internas decorrentes da proliferação de controles institucionais inadequados e da multiplicação de grupos de interesse que funcionam como poderosos lobbies: e limitações externas oriundas do comportamento dos mercados internacionais, das avaliadoras de risco (de investimento) e dos organismos internacionais de crédito.

b) A ameaça do narcotráfico.

c)Os meios de comunicação.

Quando se perguntou aos líderes “quem exerce o poder na América Latina?”, 79,8% dos entrevistados disseram que são “os grupos econômicos/empresários/o setor financeiro”; e 64,9% disseram que são “os meios de comunicação”.

O que poderíamos perguntar é se não há, em muitos casos, superposição entre esses dois poderes de facto? Por exemplo: os grupos Televisa, no México, e Globo, no Brasil, não são ao mesmo tempo poderes econômicos e de mídia? Mas é significativo ver o que diz o relatório, com citações explícitas de políticos, jornalistas e sindicalistas:

“Os meios de comunicação são caracterizados como um controle sem controle, que cumpre funções que excedem o direito à informação. `Formam a opinião pública, decidem as pesquisas de opinião e, conseqüentemente, são os que mais têm influência na governabilidade´ diz um político. `Atuam como suprapoderes, [...] passaram a ter um poder que excede o Executivo e os poderes legitimamente constituídos, [...] substituíram totalmente os partidos políticos´, afirma outro político. A maioria dos jornalistas consultados vê o setor econômico-financeiro e os meios de comunicação como os principais grupos de poder. Os meios de comunicação têm a peculiaridade de operar como mecanismo de controle e/ou limitação às ações dos três poderes constitucionais e dos partidos políticos, seja quais forem os proprietários desses meios. `A verdadeira vigilância que se exerce é a da imprensa, diz um jornalista. Além disso, reconhecem que atuam como uma corporação que define os temas da agenda pública e que até traça a agenda presidencial. Em geral, os consultados consideram problemática a relação entre os meios de comunicação e os políticos. `Aqui a classe política os teme. Porque podem fazer desmoronar uma figura pública a qualquer momento, na palavra de um sindicalista. `A forma através da qual se construíram as concessões e os interesses com os quais se teceu toda a estrutura dos meios de comunicação os converteram em um poder´, afirma outro político.”

Venício Lima (2007), após analisar esse e outros relatórios semelhantes, conclui: “Se esta é a percepção predominante entre a elite da região sobre a mídia e seu poder, uma avaliação do ciclo eleitoral que se desenrola na América Latina não deveria contemplar o seu papel no processo democrático?”

Arriscando algumas conclusões para discussão

Que dizer, ao final dessa visão rápida e geral sobre nosso panorama latino-americano e caribenho e sua relação entre o econômico e o comunicacional?

O longo e detalhado estudo editado por Marina Valencia Mejía (2006), em que 15 autores latino-americanos e caribenhos discutem o papel exercido pela mídia nas eleições de 15 países, conclui, ao menos ao que se refere à mídia e às eleições, com uma constatação até certo ponto surpreendente, expressa no seu título: “Se nos rompió el amor”, que poderia ser traduzido mais ou menos assim: está se acabando o namoro. Em suas palavras:

Puede que el amor entre partidos/candidatos/gobernantes y los medios de comunicación se haya roto, que ahora el amor es “sin medios ni mediaciones”, es directo con el pueblo y en vivo y en directo y online… sin embargo, la comunicación en las democracias latinoamericanas sigue siendo factor esencial para la gobernabilidad, la legitimidad y la credibilidad pública. Esto se debe a que la política se juega con estrategias emocionales más cercanas al marketing que al argumento y las ideas y se encuentra atravesada por la lógica del entretenimiento. Por ahora, todo es una telenovela: “hombre puro (Chávez, Uribe, Lula, Correa, Kirchner, Evo) salva mujer equivocada (nuestros países, nuestros pueblos)”; se refunda el pacto político desde el melodrama, el entretenimiento y los heroísmos personalistas (Mejía, 2007, p.11)

Fica claro que a comunicação é essencial à política, para produzir emoção coletiva, entretenimento, promoções individuais. Terá ela, contudo, uma ideologia? Ou será ela uma receita que se usa para todos os credos, saberes e heróis, exatamente do mesmo modo?

Pessoalmente não teria receio de afirmar que sua ideologia é essencialmente o mercado, e daí a importância de sua discussão no campo econômico: sem uma mudança qualitativa no sistema econômico, ou melhor, enquanto o econômico continuar a ser um sistema que vise o lucro, a concentração e a competitividade, dificilmente podemos falar de mudança na comunicação.

Mas nós temos obrigação de ir adiante. Temos de fazer com que a comunicação volte a superar a voz e o pensamento único, promovendo um sadio pluralismo. Temos de imaginar, criativa e utopicamente, uma ética midiática que parta do cidadão/ã, para produzir meios de comunicação que através de suas narrativas, suas estéticas e suas vozes sejam espaços de reconhecimento social e de novas formas de cidadania. Mais que comunicação, necessita-se, urgentemente, de uma vontade política que enfrente essa situação. É para isso que esperamos que esse mutirão venha contribuir.

Referências:

Bagdikian, B. 1992 The Media Monopoly. Boston: Beacon Press.

Fantazzini, O. e Guareschi, P. 2006 “A campanha Ética na TV e o conteúdo da programação televisiva”, em Cláudia Maria de Freitas Chagas, José E.E.Romão e Sayonara Leal (orgs). Classificação Indicativa na Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2006, p. 117-128.

FENAJ, (Federação Nacional dos Jornalistas) 1991. Proposta à Sociedade Civil. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina.

Gobernabilidad Democrática em: http://www.gobernabilidaddemocratica-pnud.org/index_new.php – capturado em 20 de dezembro de 2009.

Guareschi, P. (org) 2002 Uma nova comunicação é possível –Mídia, Ética e Política. Porto Alegre: Evangraf.

Guareschi, P. 2004 “Ser humano versus máquina: quem produz quem?”, em: Guareschi, N. (org) Estratégias de invenção do presente – a Psicologia Social no contemporâneo, Porto Alegre: Edipucrs, p. 83-94.

Guareschi, P. 2007 “Un nuevo ambiente social? Representaciones Sociales y Media”. Conferência apresentada na 8ª Conferência Internacional sobre Representações Sociais, Università La Sapienza, Roma, julho de 2007 http://www.europhd.net/cgi-bin/WebObjects/abadmin.woa/wa/EPDirectAction/msgcnf?pid=2129&mtid=35874

Jornal do Conselho Federal de Psicologia, Argentina tem novo marco regulatório para a mídia, Ano XXI, n. 95, Dez.2009, p. 16.

Lima, Venício 2007 Mídia e Poder na América Latina em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=462JDB001
capturado em 4/12/2007

Mejía, Marina Valência, 2007 Se nos rompió el amor. Bogotá, Colômbia, Centro de Competencia en Comunicación para América Latina, www.c3fes.net 288 pp.

Moraes, Denis de 2009 A Batalha da Mídia Rio de Janeiro: Pão e Rosas.

Moscovici, S. 2002 Representações Sociais – Investigações em Psicologia Social. Petrópolis: Vozes.

Ramonet, I. 2006 Comunicação e Manipulação da Informação. Em: Vigil, J. e Casaldáliga, Agenda Latino-americana mundial.S.Paulo: Loyola.

Vicent, Manuel, 2007 “Cacería”, El País, Mayo 20 de 2007, p. 96. Retirado de:http://www.atinachile.cl/content/view/35908/Caceria.html#content-top 25 de janeiro de 2009.

Thompson, J.B. (1998) Mídia e Modernidade – Uma Teoria Social da Mídia. Petrópolis: Vozes.

Thompson, J.B. 2005 Ideologia e Cultura Moderna – Teoria Social Crítica na Era dos Meios de Comunicação de Massa.5ª ed. Petrópolis: Vozes.

Thompson, J.B. 2002 O Escândalo Político: poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes.