Rapidamente a notícia corre de boca em boca, acalenta conversas, reúne simpatizantes. Os pés criam asas nos discípulos de Emaús, a expectativa se renova para os que acreditaram no Reino de Deus, a esperança e a liberdade se converte na bandeira de Paulo apóstolo e dos cristãos das primeiras comunidades.
Para os dias atuais, a proposta deste tempo de Páscoa é muito simples: ao sair do túmulo, Jesus no convida a deixar também nossos túmulos. Existem os túmulos de ordem pessoal e familiar: raivas, rancores, ciúmes, mágoas, vinganças, tristezas, angústias, e tantos outros sentimentos que nos escravizam. Envenenam o próprio coração e envenenam o ambiente em que vivemos. Não raro cultivamos esses sentimentos como quem cultiva um bichinho de estimação. Ou como uma capa de defesa contra qualquer tipo de comunicação. Grande parte das famílias respira esse ambiente e conhece bem seus males. Criam uma atmosfera pesada, constrangedora, irrespirável.
Resulta de tudo isso um mutismo que é mais nocivo que o choro, o desabafo ou o grito.
Mas existem também os túmulos de natureza sócio-econômica. Podem ser, de um lado, os imensos latifúndios, as contas bancárias no exterior, os grandes palácios, carros importados, consumo compulsivo, jogatina exacerbadas e, de outro lado, as vítimas da fome e a pobreza, da violência, da droga e do álcool, enfim, o abandono de uma enorme multidão dos “sem”: tem terra e sem teto, sem emprego e sem saúde, etc. O luxo convive com a miséria, a falta de comida com terras vazias e ociosas, os condomínios fechados e suas fortalezas inexpugnáveis com barracos e cortiços, o transporte individual sofisticado com a precariedade do transporte público. Nos dois casos, prevalece a cegueira de quem segue no túmulo: uns cegos por tantos bens e pelo desperdício, outros cegos por uma fome crônica e capaz de tudo para sobreviver. Cegos pelo excesso de dinheiro e cegos pela falta do mínimo para manter a vida. Transtornados pelo uísque mais caro ou pela cachaça mais barata. A violência e o narcotráfico costumam ser o elo entre os dois túmulos extremos. Variadas e profundas reformas devem ser efetuadas para o país sair desses túmulos.
E aqui entramos nos túmulos de caráter político, cultural e civilizatório.
Os corredores da política estão cheios de meandros escuros e escusos, verdadeiros túmulos de corrupção e conspiração, de promiscuidade e trevas, de mensalões e desvios de verba pública. Alis os ratos agem em meio à escuridão da noite. Não gostam da luz. Preferem os túmulos úmidos e putrefatos pelo mofo dos milhões que circulam de mãos em mãos. Cultura de corrupção, patrimonialismo, nepotismo, coronelismo, e tantos outros “ismos” impregnam o ar pestilento desses túmulos.
O processo eleitoral de 2010 está em curso. Sair do túmulo é a ordem! A lei 9840 e o projeto ficha-limpa são alguns instrumentos para abrir as portas ao ar livre, à luz do sol, à transparência e à verdade. Mas deixar o túmulo significa muito mais que isso. Se a chamada democracia ocidental conseguiu liquidar a “dinastia política”, não teve o mesmo êxito com a “dinastia econômica”. Por uma parte, depois da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos, não é mais lícito que o filho de um presidente herde automaticamente sua cadeira, pois ela pertence à decisão das urnas. Mas, por outra parte, as leis permitem que os filhos de um banqueiro ou latifundiário, de um industrial ou comerciante, herdem legítima e naturalmente sua riqueza, não importando como ela tenha sido adquirida.
Eliminou-se o poder hereditário na política, mas não na economia, como diz Bertrand Russell, em sua obra História do pensamento ocidental, comentando a filosofia política de Locke.
Numa palavra, a democracia da civilização ocidental parou a meio caminho.
Atingiu a superfície das decisões políticas, mas não penetrou nas correntes subterrâneas das decisões econômicas. Em última instância, são as “dinastias econômicas” que acabam exercendo sua força para a escolha dos candidatos. O voto só é livre para escolher este ou aquele candidato. Mas são os magnatas da economia que tem condições objetivas de colocar os candidatos em órbita.
Dispõem para isso do poder de fogo do marketing e da publicidade, quando não do erário público. Em síntese, os “donos do dinheiro” são também “os donos do poder” e estes, por seu turno, abrem portas para ampliar a própria riqueza. E assim se cerra o círculo vicioso, ou o túmulo de uma prática política a serviço do lucro, da acumulação de capital e da filosofia neoliberal.
Democracia viciada, impotente diante da especulação financeira internacional, subordinada às leis do mercado. Incapaz de impor exigências éticas ao comércio mundial e de traçar os rumos de uma política a serviço das necessidades básicas da população. O que, como e para quem produzir?
Como fazer a distribuição justa e solidária? Que limites impor à devastação da natureza e à poluição do ar e das águas? Nenhuma dessas perguntas pode ser respondida pelos políticos eleitos. Quem se elege ou dança conforme a música ou fica à margem. Isso explica porque, em geral, votamos naquele que cedo ou tarde irá nos trair, independentemente de sua boa ou má vontade. O arcabouço político e jurídico das eleições está preparado para defender os privilégios dos setores dominantes. A democracia ocidental nada mais é do que o suporte legal do neoliberalismo.
Evidente que tudo isso abre fissuras para a reflexão sobre novas formas democráticas. Formas novas onde o poder de decisão da população seja mais direto e participativo, onde seja reforçado popularmente o controle das práticas políticas, bem como dos impostos e do orçamento à disposição do país. Só assim poderemos sair do túmulo e viver uma nova e eterna Páscoa!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS